sento na varanda
no fim do dia
albergo crianças famintas
que engolem a tarde
fecundo uma pose inútil
aguardo a noite inútil
com meus inúteis vícios
urubu-rei me avisa
de cima do arranha-céu
- que a escuridão te espera!
- que ela vem te buscar!
eu não arrumei minhas malas
não enterrei meus tesouros
mas as roupas já pouco me servem
e guardo pedras de peso sem brilho
e mesmo assim, mesmo assim!
ela vem me roubar
o gato negro
circunda atento meu corpo
pede carícias
murmura que estamos vivos
que a madrugada é um abraço frio
mas pede pelo meu beijo
ela vem com a brisa
anjo de poucas palavras
cortesã das horas
consulesa do Hades
perfumada de Vênus
no úmido sereno
- que ela vai te matar!
sim, ela vai te matar!
num denso vapor de vinho
na sombra da sua alcova
ela vai te matar de amor
e vamos devorar cada um
dos teus segredos!
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