sexta-feira

Folha

Foge folha,
tão sazonal
quanto um lamento
tão desprendida e cega
quanto uma cólera
tão brilhosa e macia
quanto um devaneio
tão reticente e dependente
quanto um coração
tão verde e discreta
como um primeiro beijo.
Foge folha,
ao sabor do vento,
num ritmo ditado
pelos dribles cretinos
desse tempo.

Ainda frio

O gato mia
O vento uiva
A janela bate
A porta range
O assoalho estala
A lenha crepita

Todos querem companhia
numa noite de inverno.

Lenhador

Há poucas trilhas
pra percorrer teu espaço
bruto, exótico, fechado.
Quando racho teus ecos
explodem lascas de idéias.
Recolho e empilho paciente
cada porção de lembrança.
Experimento a distância
entre coxilhas geladas.
Descanso.
Com uma cuia fumegante
observo frases de amor
e o tempo infiel
congelando seus contornos.
Nada quero queimar,
espero tua primavera
e me aqueço
debulhando outras sentenças.

domingo

É frio

É frio que borbulha
belisca e arranha
provocando as artérias
assanhando os pulmões.

É frio e é noite
açoite de chuva
de vento afiado
estilhaço de beijos
de línguas geladas.

Rapidamente avançam
pelo meio da espinha
deságuam
com a madrugada
num copo de ânsia.

O corpo enverga
a seiva encolhe
o peito retesa
os lábios hibernam
enquanto esperam
a primavera da flor.

segunda-feira

Filhos do preto e branco

O negro nega
na grave brisa
granadas de bruma
que o branco cega

Negue que o negro
branco fizesse
já que a brasa
logo acontece
logo enegrece.

Negue que o branco
negro fizesse
já que o negro
logo acontece
logo que o branco
desaparece....

Na manhã dourada
sobre a cinza branca
o azul do mar
violetas envenenadas
vinhos – vinagre.

No gramado verde
nossas bocas rosadas
e alguns sonhos,
rubros.

Ferida

Reli as próprias linhas.
Subi num palco fantasiado
Beijei a vida
(Eu, e minha íris bisonha).

Evitei acordar
em algumas manhãs
mantive tranqüila
a úlcera da urbe.

Visitei parques floridos
em sábados de futebol.
Contei segredos,
enchi de balas
o bolso de moleques.

Fiquei lavado e perdido,
como um leitor de salmos
respirando um despropósito...